segunda-feira, 2 de setembro de 2013

LIÇÃO DE JANUÁRIA


 Crônica produzida para o Caderno Paraná da Folha de Londrina.

Januária é uma mulher humilde na periferia de Londrina. Desde cedo teve de batalhar muito para ajudar no sustento da família. Aos 14 anos, lá estava ela atuando como babá. Aos 17, ficou grávida do namorado e abandonou os estudos. O pai, um baiano arretado, quase a expulsou de casa quando soube. A mãe, uma paraense afeita às ervas milagrosas para curar qualquer mal, conseguiu apaziguar o ambiente. Januária, então, casou-se e teve o filho.
Como o marido não tinha emprego fixo, Januária continuou trabalhando de doméstica e parindo filhos - teve mais cinco. O número de filhos e a idade - 45 anos -, já não lhe permitiam ter um emprego fixo. Ser diarista, foi a solução. O dinheirinho contado do dia a dia servia para alimentar a família e pagar a conta de luz. A água, cortada por falta de pagamento das contas, vinha de mina contaminada nos fundos do bairro pobre.
Além dos problemas e conflitos diários, Januária era solidária com suas vizinhas. A diarista ainda não conseguira se conformar com o triste drama de Albertina. A doméstica, que morava a algumas ruas de seu barraco - se é que se pode chamar de ruas aquele amontoado -, tinha sido flagrada por seguranças de um supermercado ao esconder um quilo de carne na bolsa. A história de Albertina, que queria naquele dia dar uma mistura para os filhos, saira na imprensa e se espalhara como um rastilho de pólvora pelo bairro.
Januária foi a primeira a prestar solidariedade à companheira de infortúnio. Depois de ser presa, Albertina acabou sendo libertada por um advogado que se comoveu com o seu drama. Porém, marcada não foi aceita no antigo emprego. Assim, deu a dica para que Januária procurasse a ex-patroa. Aceita a sugestão, Januária vestiu-se o melhor que pôde e foi encarar o desafio de ser aceita no emprego.
A mulher do bairro nobre examinou minuciosamente a futura empregada e, depois de muitas perguntas, pediu referências. Sem problemas com antigas patroas, Januária foi aceita no emprego. Logo no primeiro dia, percebeu que teria que ter muito jogo de cintura e paciência para aguentar a tal madame. Por mais esforço e dedicação que mostrasse, não escapava das broncas da patroa. Januária sabia que a patroa mandava a cozinheira revistar sua bolsa.
Engolia calada as humilhações até ser acusada de roubo de um anel valioso da patroa. Por mais que jurasse não ter pego o anel, não convenceu a madame. A confusão só foi desfeita depois que uma das filhas da madame assumiu ter apanhado o anel para ir a uma festa. A necessidade fez Januária continuar no emprego. Era raro não ter quer refazer o serviço por um capricho da patroa.
Cansada de engolir sapo, Januária decidiu dar o troco na madame. Com o bairro infestado de micuins (tipo de carrapato que ataca cavalos), ela teve o cuidado de colocá-los num vidro para dar um susto na patroa e vingar a amiga Albertina. Assim que chegou para o trabalho, comunicou a patroa que aquele seria seu último dia no emprego e seguiu com seu plano: executou o serviço e aproveitou para colocar os micuins entre as roupas da madame.
Terminada a jornada de trabalho, a diarista recebeu o pagamento e, quando já ia saindo pelo portão, pôde ouvir os berros da madame horrorizada com os micuins. Januária não se conteve e riu-se até não querer mais ao imaginar a cena da madame infestada de carrapatos. No caminho de casa, passou na amiga Albertina e contou-lhe a novidade.
Apesar de estar aborrecida com a ex-patroa, Albertina condenou a atitude de Januária. ''Muiê, como é que tu feiz uma coisa dessa! Se ela espaiá o que tu apronto pra ela, cê não vai arranjá emprego em lugar nenhum.'' Januária não se incomodou. ''Oiá aqui Albertina. Nóis pode cê pobre e vivê num lugar miseravê como esse. Mais nós merece mais respeito, cê num acha? Isso é uma lição pra ela nunca mais esquecê e trata as pessoa com um pouco mais de respeito. O serviço tá feito e não me arrendo, tá ouvindo. E se aqueles carrapatinho não feiz mal pros nossos fios, num vai fazê praquela megera também'', encerrou a conversa Januária.



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